Sobre o fato de eu perder-me de mim mesma com a maternidade e, quando me dei conta, reencontrei-me numa nova versão de mim mesma!
“Ninguém disse que seria fácil, mas que valeria a pena“, essa afirmação é unanime entre as mamães. O amor que sentimos é indiscutível. Mas o que se dá na parte “ninguém disse que seria fácil”?
Ninguém nunca mencionou que a primeira delas é lidar com sua temporária invisibilidade. Pelos outros e por você mesma. Um mergulho até o fundo do poço que necessita de muita garra para voltar a emergir. Não é impossível, mas entra no “não seria fácil”.
A partir do momento que estamos grávidas, nossas atitudes parecem virar domínio público. As pessoas sentem-se no direito e até com certa liberdade de “dar conselhos não solicitados” na sua vida, no seu corpo (tamanho da barriga – “está gravida de gêmeos?” e o quanto engordou são comentários campeões), no futuro bebê e até na sua vida conjugal. Uma tia muito querida, bem mais velha e já até falecida, que foi muito presente na minha vida durante minha gestação me dizia: “Não reclame. Aproveite o seu estado de graça, a atenção, a preocupação, o respeito acima do comum que as pessoas estão tendo com você agora. Depois de ter o bebê você se tornará invisível.”.
Eu, no auge da minha primeira gestação, não entendia o conselho. Fui entender só depois de um tempo, depois de mergulhar até o fundo desse poço e voltar a emergir, momento que me sinto agora, em que olho para trás e vejo com nitidez o que se passou.
Ainda gestante, vi toda a minha vida profissional cavada em 10 anos de experiência, fora muitos anos de estudo nas melhores instituições do pais, serem dia a dia soterrados pelo fato de eu estar grávida. Ouvi coisas horríveis como: “seu substituto na empresa que vamos contratar para seu período de licença maternidade, será um homem, claro. Afinal, não engravida”. Obviamente perdi a vontade de trabalhar lá com essas piadinhas de mal gosto. E quando fui visitar outras oportunidades, na mesma área profissional que me inseria, a pergunta era: “você vai querer mais filhos?”. Em uma entrevista, a ultima que fui até desistir de retornar ao mercado de trabalho por um tempo, uma das maiores empresas de headhunters no Brasil pontuou: “Olha, se você quiser outro filho avise já. A empresa tá deixando claro que está abrindo essa nova divisão agora e não quer arcar com esse tipo de situação”. Eu queria outro filho… Enfim…Esse foi o fundo do poço profissional que cheguei, até me reerguer das cinzas.
Assim que a Clara nasceu, a invisibilidade foi nítida: ninguém se preocupa com a mãe, como ela se sente após o parto, se está com muitas dores (no meu caso, da cesariana), … Já querem saber da amamentação, do ganho de peso da criança, de carregar, de visitar, de beijar, …. Até aí, eu entendo e, ser invisível pelo amor que as pessoas sentem pela minha filha nunca me afetou. Mas não deixa de ser um fator de invisibilidade.
Leia mais em: Como realmente ajudar uma mamãe no pós parto.
Em relação ao casamento, mudou do vinho para o vinagre. Tive um baby blues fortíssimo e não fui compreendida. Não julgo meu marido. Ele nunca soube o que é essa tal de baby blues ou qualquer coisa que se relacione com depressão pós parto. Mas sofri muito. E calada, pois não gosto que ninguém se preocupe comigo. Resultado não poderia ser diferente. Hostilidades!
Eu amo mais a Clara do que a mim mesma. Mãe de primeira viagem, por algum tempo me permiti essa invisibilidade: Eu me sentia cheinha, esgotada, sempre melecada de leite materno (eu tinha muito e até doava), sentia minha casa sempre zoneada (por mais que não estivesse), meu corpo não estava como eu queria, eu não tinha tempo para mim – mas não queria ninguém pegando na Clara, abdiquei da minha antiga profissão, não tinha noção do que seria minha vida profissional no futuro, meu casamento estava terrível e me sentia paralisada com a sensação de “preciso pensar no nosso futuro” (agora tinha um ser que amava mais do que tudo) e de não ter tempo para pensar num plano para sair dessa.
Minha nova profissão, naquele momento era o de dona de casa, aquele em que você se mata pela família e sua casa e ainda poucos dão valor. Pior ainda quando o marido não valoriza.
Aliado a tudo isso, eu perdi meu pai e minha tia mais que querida, minha confidente, tudo quando Clara tinha apenas 5 meses.
Nesse momento, mesmo com o maior amor do mundo nos braços, eu atingi o fundo do poço.
Não sentia falta da minha vida passada, sem filhos, sentia falta de mim mesma. Da minha visibilidade como mulher charmosa, profissional dedicada, mulher guerreira que atinge a meta que quiser. Bastava eu desejar do fundo do meu coração, que eu sempre chegava lá. Sentia falta de ser amada.
Nesse momento, afogando no fundo do poço, o maior amor do mundo me salvou. Um dia olhei fundo para a Clara e vi que a felicidade dela dependia da minha VISIBILIDADE. Sou o maior exemplo para ela. E meu passado não é visível aos olhos dela, que nasceu depois de tudo o que fui e conquistei.
Então, se eu não era visível naquele momento para ninguém, eu percebi que para ela, ainda bebezinha, eu era tudo! Essa percepção abriu meus olhos e lutei como nos velhos tempos, nadei contra as marés fortíssimas da inviabilidade e cheguei às margens, onde pude ter a nítida visão de que a mudança começaria única e exclusivamente por mim.
Passei a planejar melhor meu dia, minhas funções como dona de casa, meus planos profissionais, minha dedicação à Clara, meus exercícios (até que arranjei o Q48 horas), a me cuidar mais, a frequentar a Igreja e a dialogar com meu marido, por mais que não tivesse vontade daquilo, sabia que era necessário esse dialogo para nos acertamos: seja juntos ou não. O dialogo nos levou a ver que tínhamos amor, mas muita hostilidade, então decidimos lutar por isso, por ficarmos juntos. Ele passou a valorizar eu cuidar do lar e ainda conseguir trabalhar de casa. A valorização por parte dele foi um enorme cicatrizador. O que também não tem sido fácil, já que mudamos muito com a chegada da Clara.
Não errei por fraqueza, eu aceitei a invisibilidade por inexperiência e por achar que a doação de mim mesma a ela era a maior prova de amor. Mas aprendi que doar a mim mesma, não significa morrer e continuar vivendo. Fui fraca, me deixei afundar, mas recuperei a visão a tempo de me salvar de um afogamento. Ser mãe é maravilhoso, mas muito doloroso também. A esmagadora maioria não relata essas dificuldades, eu mesma tinha dificuldades para escrever sobre isso, afinal estava me sentindo invisível ainda.
Meu objetivo aqui não é alarmar ninguém e profetizar que o poço virá para todas. Eu não desejo isso para ninguém. Apenas quero acalmar o coração de quem passa ou passou por isso. Ou de quem pode vir a enfrentar essas coisas. Uma luz de esperança.
Hoje me sinto visível. Posso contar o que se passou comigo, esse mergulho fundo que dei e como fiz o caminho de volta à superfície, que já não era a mesma, porém muito mais clara e colorida, onde eu pude enxergar que tudo tem um jeito.
Um beijo, Marrie
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Muito bom! Depois de ter o meu filho Théo, meu casamento mudou bastante, também! É preciso muito amor para superar esse abismo que se cria! E maturidade, também! Ter de me dividir entre trabalho e maternidade foi bem difícil! E ainda suportar milhões de comentários, como se eu estivesse fazendo tudo errado foi ainda pior. Hoje o Théo já está com 3 anos e meio e eu já consigo me dividir entre tudo o que a vida exige e me dedicar bastante a ele! Ufa!
MUITO LINDA SUA REFLEXÃO, ME IDENTIFIQUEI MUITO.
Nossa…Que lindo texto. Me identifiquei totalmente, passei por isso. Me senti uma estranha durante a gravidez, não me reconhecia, eu sumi. E após o parto foi pior, porque me achava gorda, feia, cheirando a leite e ainda descobri que o meu namorado estava com outra mulher. O que prova a incompreensão dos homens, que não nos apoiam neste momento tão delicado de nossas vidas. Precisamos de atenção redobrada pois no pós parto ainda estamos muito frágeis e sentimentalmente abaladas, principalmente se o parto foi de risco como o meu que tive help e pré eclampsia. Nesse momento eles se sentem de lado e também querem atenção, sexo e mimos da mulher, mas não entendem que temos que conciliar milhares de coisas e que precisamos de apoio e não de cobranças.
Rodrigo Fabi
Está precisando marcar outra pessoa aqui tbm!