Parem de perguntar às mães: “o que vocês fazem o dia todo?”

Por que as pessoas precisam parar de perguntar às mães “O que você faz?”.

Desde que deixei o meu emprego “real” – daqueles em que a gente se arruma, bota a maquiagem e saia linda de casa num scarpin de salto altíssimo todas as manhãs – eu passei a ter um problema com a pergunta “O que você faz?”. Fiquei um tempo como mãe em tempo integral até que resolvi começar a trabalhar de casa, mas o fato é que, para quem não tem um emprego tradicional, desses de sair de casa como explicitei acima, precisamos gastar um tempão explicando o tanto que nos mantemos sobrecarregadas ao longo do dia (não, mães não são gatas de sofá, que assistem sessão da tarde com um balde de pipocas na mão enquanto a criança brinca calmamente num tapete de atividades).

Incrível como sem o benefício de um emprego tradicionalmente definido, não há nenhuma resposta rápida, nem que não haja um mar de sentimentos nela embutidas. Mesmo no caso atual, em que trabalho de casa.

Aqui até conto um “causo” sobre isso…

https://www.mamaeplugada.com.br/2015/03/cansada-do-que-desta-pergunta/

 

Mesmo em situações aparentemente inócuas, “O que você faz?” me incomoda. Seja numa conversa entre amigos (daquelas com mulheres com e sem filhos onde o papo vai além das fraldas), na escolinha da minha filha ou mesmo ao responder perguntas formais, como para preenchimento de fichas e formulários.

Nesse último caso, mesmo sabendo que as perguntas se tratam de procedimentos padrão, o trabalhar de casa gera aquele mar de indagações: “dona de casa”? “Microempreendedor Individual?” “Empresário?”…

Pior ainda quando perguntam quando digo que tenho um site: “E escrever é emprego?”.

Quero morrer com essa pergunta! Acho que as pessoas deveriam ter noções básicas do que é trabalho. Colocaram essa palavra como algo ruim, algo que só cansa mas não traz satisfação pessoal. Se  você gasta horas do seu dia pensando, pesquisando, transcendendo, fazendo algo em que você faz bem de forma a melhorar de alguma forma alguma coisa, algum processo, ou vidas. Se ama isso, melhor, né? Se está num conceito diferente do “emprego tradicional”, nem por isso não é trabalho.

Mães donas de casa são as maiores trabalhadoras dessa sociedade, por exemplo, e parece que todos ignoram isso como um trabalho.

https://www.mamaeplugada.com.br/2016/06/o-mundo-esta-doente-e-criar-um-ser-foi-reduzido-a-nada/

Escrever também é um trabalho (para quem ainda tem dúvidas), a medida em que tenho comprometimento com isso. Os Textos Budistas dizem que “O Mestre na arte da vida faz pouca distinção entre o seu trabalho e o seu lazer, entre a sua mente e o seu corpo, entre a sua educação e a sua recreação, entre o seu amor e a sua religião. Ele dificilmente sabe distinguir um corpo do outro. Ele simplesmente persegue sua visão de excelência em tudo que faz, deixando para os outros a decisão de saber se está trabalhando ou se divertindo. Ele acha que está sempre fazendo as duas coisas simultaneamente”.

Muitos amigos que trabalham em empregos “reais” (os tradicionais) me dizem que eles também ficam desconfortáveis com a pergunta, e sua capacidade de responder. A menos que tenham um título dos mais tradicionais possíveis – médico, professor, advogado – a sua resposta precisa de um pouco de explicação.

No meu caso. Eu sou economista, mas trabalhava com analises de viabilidade de investimentos. Para muitos, isso exige alguma explicação.

Muitas vezes, é difícil destilar a essência do que se faz para algo que um leigo possa entender. Sim, EU SEI QUE ISSO FAZ PARTE DO MARKETING PESSOAL, mas acho tão corporativo e maçante o conceito de “elevator speech” quando estamos nos tratando de amigos, colegas ou pessoas que jamais fariam algum negocio conosco, estão apenas jogando uma conversa fora…

Além disso, o  “elevator speech”  não diz nada sobre quem você realmente é. A verdade é que, mesmo quando eu tinha o meu trabalho “real” com uma resposta socialmente satisfatória, muitas vezes eu pensava, “Meu Deus, não haveria uma pergunta melhor?”.

É uma obsessão cultural (meio norte americanizada, afinal, nos inspiramos muito lá) esta tendência querer saber a ocupação das pessoas. Raramente você vai ouvir: “O que você faz?” de um britânico, os quais acreditam ser falta de educação perguntar, uma vez que assume um deve fazer alguma coisa ou, em ultimo caso, ser um riquíssimo proprietário de terras ou membro da nobreza.

Em nossa cultura, “O que você faz?” ou “O que te mantém ocupado?” tornaram-se saudações padrão.

Será que alguém realmente quer saber o que está me mantendo ocupada? A vida é tão corrida para todos, as vezes tenho rotina, outras não, e a vida vai seguindo, como para todo mundo, “matando um leão por dia”, oscilando em dias mais tranquilos e realizadores e dias em que queremos sair gritando como  se incorporássemos a pintura de Edvard Munch.

A menos que tenhamos uma notícia de abalar o mundo, eu não acredito que deveríamos nos sentir obrigados a responder. Mães são ocupadas por natureza, por serem mães, independentemente de trabalharem fora (em empregos tradicionais, onde farão hora extra ao chegar em casa), de trabalharem em casa (olhando criança e cuidando da casa ao mesmo tempo em que tenta se concentrar para fazer um expediente render, sem direito a sequer hora de almoço ou pausa para banheiro) ou de trabalharem em casa (onde não tem direito a ferias, decimo terceiro, final de semana).

Todos estamos passando nossos dias bem ocupados. Mães quase sempre estão cansadas do trabalho excessivo, independentemente do “cargo” que exerçam.

Não seria hora de menos perguntas e mais apoio? De menos julgamentos e mais valorização? De menos mimimi e mais união?

Um beijo, Marrie

 

 

Leia também:

https://www.mamaeplugada.com.br/2015/06/desabafos-de-uma-mae-que-trabalha-e/

 

https://www.mamaeplugada.com.br/2015/01/minha-decisao-de-pausar-carreira/

https://www.mamaeplugada.com.br/2016/02/texto-sobre-o-nada-materno/

https://www.mamaeplugada.com.br/2016/06/ja-que-e-pra-sonhar-nao-economize-em-sonhos/

62 Comments

  1. Paolla Gabrieli

    23 de abril de 2017 at 13:59

    Desculpe a pergunta mas vc é de qual cidade… Parece q te vi na minha cidade em Franca, mas não tenho certeza se era vc

    1. Mamãe Plugada

      25 de abril de 2017 at 01:12

      Sou de Piracicaba, interior de SP

  2. Viviane Carvalho

    23 de abril de 2017 at 12:30

    Essa frase por aqui e corriqueira e mesmo que seja por brincadeira a falta de reconhecimento magoa!!

  3. Jenifer Garcia

    3 de novembro de 2016 at 21:41

    Nossa, é revoltante mesmo. Apesar de eu ser só dona de casa e mãe e doutoranda, ainda tive que ouvir quando Pietro tava com 7 meses, que o moleque já devia estar com 15 anos e eu de férias. Isso no laboratório, uma pessoa com doutorado, mas um babaca.

    Sério? Eu cuido de Pietro sozinha, amamento em livre demanda, tenho um doutorado para fazer e só porque o querido não me viu no laboratório não quer dizer que eu não vá lá, e em casa não significa não trabalhar.

    Tive dias de 16 horas de laboratório e não me lembro de ficar cansada igual agora.

  4. Viviane F. Tenório

    2 de novembro de 2016 at 10:59

    mesmo quem trabalha fora ouve isso … cansada do quê?

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